Capítulo 15 — Aquilo que não se diz
Aquilo que não se diz
A pia ainda estava quente da água usada pra lavar a louça.
Nicole esfregava um prato com calma, fazendo espuma leve entre os dedos.
Nick enxugava outro ao lado, com um pano velho de algodão — aquele com a estampa desbotada de algum anime que só ele reconhecia.
A cozinha estava silenciosa, exceto pelo som da água e da chaleira começando a apitar.
— “Elas comeram bem hoje,” disse Nick, como quem começa uma conversa delicada com um comentário neutro.
— “O fliperama te fez bem,” respondeu Nicole, entregando outro prato.
— “Foi divertido.”
— “Você deveria fazer isso mais vezes.”
— “Eu tento,” ele disse. “Mas...”
Nicole ergueu o olhar, sem virar totalmente.
— “...mas o mundo não espera, né?”
Nick sorriu.
Enxugou um prato.
Guardou no armário com um pouco mais de cuidado que o normal.
— “Elas estão crescendo,” ele disse. “Violet tá quase saindo da escola. Ayaka vai logo atrás.”
— “E você ainda acha que tem tempo.”
— “Eu espero que tenha.”
Nicole secou as mãos, encostou-se à pia e olhou pela janela.
— “Você tem medo de não estar lá quando elas entenderem tudo?”
Nick não respondeu de imediato.
Mas o silêncio disse mais do que qualquer frase pronta.
— “Você vai viajar de novo, né?”
— “Vou. Murata me chamou. Coisa rápida.”
Nicole suspirou, não de cansaço — mas de quem já sabia.
— “Você vai levar o BRZ?”
— “Tô pensando em ir de avião dessa vez. Pra voltar mais rápido.”
Nicole riu de leve.
— “Ele vai te arrastar pra um churrasco e você vai sumir por dois dias.”
— “Eu sei.”
— “E vai voltar com mais lembrancinhas que ninguém entende.”
Nick se aproximou, encostando-se à outra ponta da pia.
— “Você acha que elas estão… começando a notar?”
— “Achas?”
Nicole cruzou os braços.
— “Você me acha burra, Nicholas?”
Ele ergueu as mãos em rendição.
— “Elas sentem, Nick. Desde o dia da ligação. Desde o carro. Desde o... console.”
— “Mas ninguém perguntou.”
— “Porque ainda confiam.”
Nick mordeu o lábio, pensativo.
— “Eu queria que elas soubessem... mas não agora. Ainda não.”
Nicole assentiu devagar.
— “Elas vão saber. Um dia. E vão entender.”
— “E você?”
Ela sorriu.
— “Eu já entendi.”
No quarto do andar de cima, Violet e Ayaka estavam deitadas de barriga pra cima, lado a lado na cama.
As luzes apagadas, só o brilho do celular de Ayaka iluminando o teto.
— “Você pesquisou sobre o Murata?”
— “Sim,” disse Violet. “Tem uns vídeos de bastidores. Ele é tipo... uma lenda.”
— “E tá ligando pra nossa casa como se fosse um tio distante.”
— “A mãe respondeu em japonês como se fosse português.”
Ayaka virou o rosto pra irmã.
— “E o console da 2B?”
— “E o BRZ?”
— “E o sketchbook importado?”
— “E a assinatura do estúdio no adesivo da caneca?”
Silêncio.
As duas ficaram olhando o teto, esperando que alguma resposta caísse do forro.
Mas tudo que veio foi o som abafado de Nicole rindo lá embaixo.
E a voz baixa do Nick dizendo algo que elas não entenderam.
Ayaka cobriu os olhos com o braço.
— “A gente tá perto, né?”
— “Ou exatamente longe o suficiente,” murmurou Violet.
E dormiram com o mistério debaixo do travesseiro.
Fim do Capítulo 15