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Capítulo 19Outro lado do mesmo mundo

Outro lado do mesmo mundo

O desembarque no Japão foi silencioso.

Não por falta de palavras, mas por excesso de olhos arregalados.

O aeroporto era enorme.

Placas iluminadas em japonês, inglês e emojis.

Pessoas andando com pressa, cosplay de fundo, vozes eletrônicas falando “irasshaimase” por toda parte.

Violet puxava a mala com uma mão e segurava o hoodie com a outra.

Ayaka tentava não tropeçar enquanto olhava tudo ao mesmo tempo.

Nicole andava alguns passos à frente, calma.

Cabelo preso em coque baixo, óculos escuros, fone de ouvido pendurado no pescoço.

Na alfândega, ela respondeu tudo em japonês.

「はい、観光目的です。滞在は一週間ほど。」

“Sim, é turismo. Vamos ficar por uma semana.”

「家族です。娘たち。はい、初めての来日です。」

“Família. Minhas filhas. Sim, é a primeira vez delas no Japão.”

Violet puxou Ayaka pelo braço.

— “Você entendeu tudo isso?”

— “Eu entendi minhas filhas.”

— “Ela falou com o guarda como se estivesse pedindo café em casa.”

Nicole olhou pra trás e piscou.

— “Vocês acham mesmo que me casaram com um japonês sem que eu soubesse nada?”

— “Você casou com o pai…”

— “Mesmo argumento.”

Na saída do terminal, uma van preta os aguardava.

O motorista fez reverência ao ver Nicole.

「奥様、おかえりなさい。」

“Bem-vinda de volta, senhora.”

Ayaka e Violet engoliram em seco.

— “Isso foi um ‘bem-vinda de volta’...?”

Nicole só sorriu e respondeu:

— “Tadaima.”

(Estou de volta.)

Cerca de quarenta minutos depois, em um bairro calmo de rua estreita e postes tortos, a van parou diante de uma casa pequena.

Telhado cinza, entrada de madeira clara, jardim minimalista.

Simples. Muito simples.

Ayaka arregalou os olhos.

— “A gente tem uma casa aqui?!”

Nicole puxou a chave do bolso.

— “Não é nada demais. É só a segunda casa.”

Violet analisava a estrutura.

— “Segunda... casa... no Japão?”

— “É do pai de vocês também. Mas a gente usava mais nos tempos antigos, quando a vida era outro anime.”

A porta abriu.

Cheiro de tatami.

Estante com mangás.

Pôsteres discretos, móveis baixos.

Um computador antigo num canto — desligado, mas limpo.

No hall de entrada, dois pares de chinelos foram deixados.

Nicole calçou os dela com prática e apontou:

— “Quarto de vocês lá em cima. Banho já tá quente. Se quiserem sair depois do banho… eu trouxe de volta meu brinquedo.”

Violet franziu o cenho.

Nicole apertou um botão no chaveiro.

O portão eletrônico lateral se abriu com um som agudo.

E ali estava.

Um Mazda RX-8

Roxo metálico com detalhes neon verde, wrap inspirado em Evangelion.

O capô trazia o rosto estilizado da Rei Ayanami em tom dramático.

Os faróis brancos refletiam a luz como olhos de EVA01.

No banco do motorista: luvas de direção femininas, e um pingente de NERV no espelho retrovisor.

Ayaka colocou as mãos na cabeça.

Violet quase deixou cair a mochila.

— “MÃE…? ISSO É TEU?”

Nicole colocou os óculos escuros com a maior naturalidade do mundo.

— “Vocês acham que só o pai tinha estilo? Esse bebê ficou guardado anos esperando por mim.”

Ela passou a mão pelo capô como se tocasse num relicário.

— “Ele ronrona como um gato nervoso e faz curva como um segredo. Mas só sai se vocês tomarem banho primeiro.”

Ayaka se encostou na parede.

— “Eu nem sei mais o que é real.”

Violet apenas murmurou:

— “Ela é uma personagem secreta. Sempre foi.”

Nicole riu baixinho.

— “Agora vamos. Eu quero andar com as minhas garotas antes que o fuso acerte a gente em cheio.”

E ali, sob o céu japonês ainda nublado, diante da casa onde nada parecia especial — mas tudo era secreto —

as duas meninas começaram a perceber que o mundo em que cresceram…

não era nem metade do que ele realmente era.

Fim do Capítulo 19