Voltar

Capítulo 30Entre o que foi dito e o que sempre esteve lá

Entre o que foi dito e o que sempre esteve lá

O fim da tarde mergulhava o estúdio num tom dourado.

Yuna sentou-se em cima de uma mesa, equilibrando uma latinha de chá na mão.

Ayaka e Violet estavam de pé, lado a lado, ainda absorvendo tudo.

Nicole, apoiada na moldura de uma porta, olhava para elas com uma serenidade que dizia mais do que qualquer palavra.

O ambiente estava morno.

Calmo.

Até que Yuna abriu o jogo:

— “Então, o que vocês tão esperando?”

Violet piscou.

— “Hein?”

— “Vai lá. Pergunta.”

Ayaka cruzou os braços.

— “Perguntar… o quê?”

Yuna girou a latinha nos dedos.

— “Tudo.

O que vocês tão pensando, engolindo, sufocando aí dentro.

Tá na hora.

Tá todo mundo pronto.

Até ele.”

Ela apontou com o queixo.

Nick estava encostado na porta de vidro do estúdio.

Mãos nos bolsos.

Olhar calmo.

E pela primeira vez, sem barreiras.

Nick entrou na sala.

Sentou no chão de tatami, pernas cruzadas.

Chamou as duas filhas com um gesto.

Elas se aproximaram.

Sentaram também.

Nicole e Yuna ficaram ao fundo, como testemunhas silenciosas.

Nick coçou a barba rala, pensativo.

— “Eu devo isso a vocês.”

Violet mordeu o lábio.

Ayaka apertava as mãos nos joelhos.

Nick começou.

— “Sim.

Eu e sua mãe somos… mais do que a gente mostrou pra vocês.”

Ele olhou pras duas, um de cada vez.

— “Sim, eu trabalhei em projetos grandes.

Sim, a gente tem uma história que muita gente no mundo inteiro conhece.

Murata, Fujiwara, Asumi-sensei, todos eles… são amigos. Irmãos.”

Ele fez uma pausa.

Respirou fundo.

— “Mas eu não contei tudo antes… porque…”

A voz falhou um pouco.

Nicole sorriu.

Yuna cruzou os braços, como quem segura a vontade de se intrometer.

Nick continuou:

— “Porque eu amo o simples.

O básico.

O arroz soltinho de manhã.

O cheiro de chuva no quintal.

As noites de pizza e jogatina até tarde.”

Ele olhou para as filhas com os olhos brilhando.

— “Eu já vi o outro lado, meninas.

Já vi gente se perder no brilho, no aplauso.

Já vi famílias se quebrando porque a fama grita mais alto que o amor.”

Silêncio.

— “E eu nunca quis isso pra gente.

Nunca.”

Ele engoliu em seco.

— “Se viver simples era o preço pra manter vocês seguras… eu pagaria de novo.

De olhos fechados.”

Violet piscou rápido, tentando segurar a lágrima.

Ayaka olhava fixamente pra ele, como se quisesse absorver cada palavra.

Nick deu um sorriso cansado.

— “Me desculpem…

Por ter deixado vocês no escuro por tanto tempo.”

Violet se aproximou primeiro.

Sem palavras.

Apenas deitou a cabeça no ombro dele.

Ayaka demorou meio segundo.

Mas se jogou, abraçando os dois.

Nicole e Yuna observavam, quietas.

Porque sabiam.

Esse era o final que ninguém podia apressar.

Semanas depois

O semestre final da escola recomeçava.

Ayaka e Violet passaram pelo portão da escola carregando mochilas novas e uma nova… presença.

Elas se sentiam diferentes.

Mais inteiras.

E foi impossível ignorar:

Grupos de colegas cochichando.

Olhares.

Fotos abertas nos celulares:

O vídeo da Anime World Premiere.

O palco.

Murata.

Kana Fujiwara.

E Nick.

Nick ao lado deles.

Um dos novos anúncios bombando nas redes:

「ANIME NEW PROJECT: “Blazing Echoes」– Story by Kuuhaku Studio」

Blazing Echoes.

Um shounen seinen sobre duas irmãs presas entre mundos paralelos, tentando reconstruir o próprio destino.

E sim —

as personagens principais tinham traços MUITO familiares.

No intervalo, não teve como escapar.

Grupos querendo autógrafo;

Gente perguntando “se era verdade”;

Professores parabenizando;

Colegas tirando fotos sorridentes.

Violet riu.

Ayaka fingiu rolar os olhos, mas estava adorando.

— “A gente virou NPC raro,” brincou Violet.

— “Bora cobrar assinatura,” respondeu Ayaka.

Algumas semanas depois

Ayaka e Violet receberam as cartas de aceitação da faculdade.

A mesma onde Nick e Nicole haviam se conhecido.

A faculdade dos grandes.

Dos mangakas.

Dos character designers.

Dos visionários.

Nicole segurava as cartas enquanto chorava discretamente no canto da cozinha.

Nick abriu duas latas de refrigerante com estalos exagerados.

— “Às minhas duas obras-primas.”

Yuna apareceu do nada com um chapéu de formatura inflável e jogou em cima das duas.

— “Agora é oficial: o mundo que lute!”

Elas riram.

E riram.

E riram.

Porque naquele momento, debaixo daquele céu comum, naquela casa comum...

Tudo era exatamente extraordinário.

Fim de 『Hidden Lines』