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Capítulo 9Vozes que não conhecemos

Vozes que não conhecemos

O telefone fixo da casa tocou.

Era raro.

Tão raro que as meninas se entreolharam da sala como se fosse um alarme de incêndio.

Nicole estava no quintal, estendendo roupas no varal.

— “Alguém atende?” gritou ela, sem pressa.

Ayaka estava deitada, com o fone no ouvido.

Violet, com preguiça, se levantou e foi até o aparelho.

Atendeu, ainda com uma fatia de pão na mão.

— “Alô?”

Silêncio do outro lado. Depois, uma voz masculina, animada, começou a falar — em japonês.

「ああ、ニックさんの家ですか?こちら村田です!久しぶりですね〜」

("Ah, é a casa do Nick? Aqui é o Murata! Quanto tempo, né!")

Violet congelou.

— “Ahn… desculpa... não entendi?”

A voz continuou.

「ニックはいますか?ちょっと話したくて!」

("O Nick tá por aí? Queria falar rapidinho!")

Ela tirou o telefone do ouvido, olhando pra ele como se tivesse começado a emitir fumaça.

— “Mãe?!”

Nicole apareceu na porta da cozinha, secando as mãos num pano.

— “Quem é?”

— “Sei lá! Tá falando japonês!!”

Nicole andou até o telefone, pegando com naturalidade.

— “Moshi moshi?”

A voz do outro lado ficou animada.

「ニコルさん!元気?ニックさんは今出かけていますか?」

("Nicole! Como você tá? O Nick tá fora agora?")

Nicole sorriu de leve, mudando o peso do corpo para o outro pé.

— 「はい、彼はちょっと旅行中です。でも、みんな元気ですよ。」

— ("Sim, ele tá viajando um pouco. Mas estamos todos bem.")

Violet ficou parada, sem piscar.

O japonês saía da boca da mãe como se fosse português. Sem sotaque. Sem tropeço.

Do outro lado da linha, Murata ria.

「よかった〜!今度のバーベキューに誘いたくてね。ニックさんなしでは始まらないから!」

("Que bom! Eu queria convidar pra um churrasco que vai rolar logo. Sem o Nick, nem começa, né!")

Nicole riu suavemente.

— 「伝えておきます。ニックも喜ぶと思いますよ。」

— ("Eu vou passar pra ele. Acho que ele vai ficar feliz.")

Murata disse mais algumas coisas animadas, e a ligação terminou com um "またね〜" ("Até mais!") bem descontraído.

Nicole desligou e devolveu o telefone no suporte, como se nada demais tivesse acontecido.

Violet continuava encarando.

— “Você... fala japonês?”

Nicole deu de ombros.

— “Fazia tempo que eu não praticava.”

— “Mas tipo... fluente?”

— “Mais ou menos. Só o suficiente pra não passar vergonha.”

Violet piscou.

— “Quem era?”

— “Amigo do seu pai,” respondeu Nicole, pegando a toalha de novo. “Coisa antiga.”

Ela saiu da cozinha como se tivesse perguntado sobre o clima.

Violet ficou ali, parada.

Com o telefone ainda zumbindo no ouvido.

No andar de cima, Ayaka mexia no celular sem saber que, naquele momento, a irmã começava a juntar peças de um quebra-cabeça que nem sabiam que existia.

Na mesa da sala, uma das “lembrancinhas” de Nick — uma caneca com o logo estilizado de um estúdio japonês — descansava esquecida.

O logo era pequeno. Quase invisível.

Mas agora... parecia gritar no silêncio da casa.

Fim do Capítulo 9