Voltar

Capítulo 8Nada estava fora do lugar, mas algo estava errado

Nada estava fora do lugar, mas algo estava errado

Era quarta-feira.

Não havia chuva, não havia vento.

Tudo estava… normal. A luz do sol atravessava as janelas com preguiça, o portão rangia como sempre, o café da Nicole estava quente.

Mas mesmo assim, havia uma sensação no ar — algo fora do ritmo.

Ayaka sentiu isso ao acordar.

Não teve pesadelo. Não esqueceu nada.

Mas ao sentar na cama, sentiu o coração mais apertado do que deveria.

Desceu devagar.

A casa estava cheia de vida: o barulho do ventilador, o som de uma panela sendo lavada, a voz da Yuna cantando algo desafinado no quintal.

E mesmo assim… o sentimento continuava.

Na cozinha, Nicole cortava frutas em silêncio.

Violet já estava na mesa, com uma expressão distraída, rabiscando num guardanapo.

— “Bom dia,” disse Ayaka, se sentando.

— “Bom dia, flor do dia,” respondeu Nicole, com um sorriso manso.

Yuna entrou, pingando água da mangueira no chinelo.

— “Adivinha quem descobriu que a torneira do jardim ainda tá vazando?”

— “Você?” disse Violet.

— “A manga da minha blusa,” respondeu Yuna, mostrando a peça molhada.

Elas riram.

Mas Ayaka… não.

— “Tá tudo bem?” perguntou Nicole, cortando a maçã.

— “Sim… só tô… meio fora de mim, sabe?”

Nicole olhou com atenção.

— “Quer chá ou silêncio?”

— “Silêncio com gosto de chá, pode ser?”

Ela preparou uma caneca, serviu, sentou-se ao lado da filha.

Ayaka olhou pra caneca por um tempo.

Depois, virou o olhar pro corredor.

— “Posso entrar no escritório de novo?”

Nicole hesitou.

— “Claro. Só não bagunça o caos dele. Ele conhece cada grão de poeira daquele lugar.”

Ayaka assentiu.

No quarto do Nick, tudo estava como antes.

Organizado demais. Pessoal demais.

Mas havia algo novo ali: as lembranças.

A caneta especial que ela tinha recebido estava numa caixinha, no canto da mesa.

Ao lado, uma folha com anotações. Em japonês.

Palavras que ela não entendia. Mas a caligrafia era linda. Fluida.

Havia também um envelope lacrado com o nome dela.

Ainda fechado. Ela não teve coragem de abrir.

O coração bateu mais forte sem motivo.

Era só papel. Só lembrança.

Mas parecia que o pai sabia de algo que ela ainda não sabia.

Ela se sentou na cadeira dele, só por um instante.

O monitor do meio piscou, saindo do modo de espera.

A tela mostrou um fundo preto com uma imagem estática: uma foto antiga de Nick em frente a um estúdio japonês.

Ela apertou um botão por reflexo. A tela apagou.

Ayaka soltou o ar, pegou a caneta, e voltou pro próprio quarto.

Não falou com ninguém sobre isso.

Violet, naquela mesma tarde, estava deitada no ateliê.

Usava o chão como sofá. A cabeça encostada em uma almofada, o braço cobrindo os olhos.

Ela não queria pensar.

Mas pensava mesmo assim.

Yuna apareceu, sentando-se no chão, ao lado dela.

— “Você tá sempre aqui agora,” disse a tia.

— “É o único lugar da casa que não tem perguntas,” respondeu Violet.

— “E tem respostas?”

— “Talvez.”

Yuna se deitou também, lado a lado com ela.

— “Você se sente… errada às vezes?”

— “O tempo todo.”

— “Eu também.”

— “Mas você parece bem,” disse Violet, virando o rosto.

Yuna sorriu.

— “Porque eu sou boa em fingir. E porque já estive onde você tá agora.”

Violet encarou o teto.

— “Tem dias que tudo parece certo, mas o coração dói.”

— “É porque tá crescendo.”

— “Ou porque tá tentando avisar.”

Yuna ficou em silêncio.

Depois disse:

— “As coisas começam a mudar quando o coração começa a perceber antes da mente. Isso… é o que chamam de intuição.”

— “Ou de spoiler emocional.”

Yuna riu.

Violet fechou os olhos.

— “Você já soube algo antes de saber de verdade?”

— “Eu ainda sei,” respondeu Yuna.

— “Mas nem tudo deve ser dito na hora certa.”

Naquela noite, Nicole sentou-se na beirada da cama, com o celular em mãos.

O Nick tinha mandado outra mensagem curta:

[Nick – 21:12]

“Tudo bem por aí?”

Ela respondeu apenas:

[Nicole – 21:13]

“Sim. Mas algo tá mudando. E não sei o que é.”

O celular vibrou, mas não chegou nova mensagem.

A casa estava silenciosa.

E o coração…

batia mais alto do que antes.

Fim do Capítulo 8