Capítulo 7 — Alguma coisa me diz...
Alguma coisa me diz...
As segundas-feiras tinham um peso silencioso.
Mesmo com sol, mesmo com céu limpo, mesmo com café no ponto.
Ayaka achava que o pior não era acordar cedo, era ter que fingir que descansou.
Violet, por outro lado, só dizia que o problema era “interação desnecessária antes das 10 da manhã”.
Na escola, a rotina já voltava ao ritmo habitual.
As duas irmãs andavam pelo corredor com a naturalidade de quem não chamava atenção... mas era impossível ignorar.
Na porta da sala de artes, um cartaz novo:
“Retorno das atividades – Professora substituta confirmada”
— “Será que agora a aula vai funcionar?” murmurou Ayaka, segurando o estojo.
— “Só se a nova prof não fugir igual a anterior,” disse Violet, encostada na parede, com a blusa amarrada na cintura.
Elas entraram na sala e sentaram perto da janela.
As paredes estavam cobertas de desenhos antigos dos alunos. Alguns tortos, outros quase poéticos.
No fundo da sala, a professora ainda não tinha chegado.
Alguns colegas cochichavam entre si:
— “Você viu o mural das meninas?”
— “Aquela pintura foi da Violet, né? Ou da Ayaka?”
— “Acho que foi das duas…”
Ayaka fingia que não ouvia.
Violet… realmente não ouvia.
A arte, pra elas, era algo natural. Nunca viram como dom, nem como algo especial.
Era só uma forma de respirar sem falar.
O quadro ainda estava vazio.
A porta se abriu com um leve estalo.
— “Bom dia, desastres ambulantes!”
A voz era inconfundível.
Yuna entrou carregando uma pasta enorme, óculos pendurados na gola e o cabelo preso no coque clássico de quem tenta parecer séria, mas fracassa com estilo.
Ayaka arregalou os olhos.
Violet ergueu as sobrancelhas.
— “Vocês não disseram que era esse colégio,” disse Yuna, largando a pasta na mesa. “Agora entendi o caos espiritual que senti quando entrei.”
— “Você é… a professora?” perguntou Ayaka.
— “Em missão temporária. Mas com autoridade permanente de encher o saco de vocês.”
Ela piscou e se virou pro quadro.
Escreveu:
Prof. Yuna
(ou só Yuna mesmo)
Depois, soltou:
— “Sabe quando você entra num lugar e sente um déjà-vu tão forte que parece que a vida deu replay?
Pois é. Tô vivendo isso agora.”
Alguns alunos riram. Outros só olharam confusos.
Violet mordeu o canto da boca tentando não sorrir.
Yuna virou pra turma com os braços cruzados.
— “Agora, antes de qualquer atividade… quem aqui odeia arte?”
Alguns levantaram as mãos.
Violet levantou meia mão, preguiçosa.
— “Ótimo. Vocês vão ser meus favoritos. Os que odeiam são os mais sinceros. Os que fingem que amam são os que mais trapaceiam.”
Ela andou pela sala com naturalidade, parando ao lado da mesa das duas.
— “E vocês,” disse, olhando pra Violet e Ayaka, “não pensem que vão se esconder só porque me conhecem.”
— “A gente nem gosta de arte,” disse Violet.
— “Claro que não,” respondeu Yuna. “Você só desenha melhor que metade dos ilustradores que conheço. Mas tudo bem.”
Ayaka riu, sem graça.
O resto da aula seguiu com dinâmicas livres, lápis e papéis espalhados, e uma energia caótica maravilhosamente controlada.
A presença da Yuna naquela sala era… diferente.
Tinha algo de antigo e novo ao mesmo tempo.
Na casa, o portão fez o estalo metálico habitual quando Nick o empurrou.
Ele carregava duas mochilas — a dele, e uma sacola mais pesada, cheia de caixas pequenas, papéis de seda e envelopes discretos.
Abriu a porta e respirou fundo o cheiro da sala: sabonete, incenso de lavanda, talvez até orégano no ar vindo da cozinha.
Nicole veio até ele com um olhar que misturava bronca e saudade.
— “Você podia ter avisado que chegaria antes.”
— “Quis fazer surpresa.”
— “Conseguiu. A lavanderia ainda tá cheia das suas roupas.”
Ele sorriu e entregou a sacola.
— “Presentes. Lembrancinhas. Coisinhas bobas.”
Nicole abriu a primeira caixa.
Um pin exclusivo de um anime clássico, assinado.
— “Você chamou isso de bobo?”
— “Quem liga pra isso, né?”
Ela ergueu uma sobrancelha.
Ele desviou o olhar.
— “Tem mais pra elas,” disse, colocando a sacola no sofá.
Mais tarde, Violet encontrou um sketchbook importado, com papel de gramatura altíssima e capa em tecido ilustrado com personagens que ela amava — mas nunca tinha contado a ninguém.
Ayaka recebeu uma caneta tinteiro com traço fino e um bloco de papel especial, idêntico ao que ela tinha visto no “escritório” dias atrás.
Nenhuma das duas perguntou.
Nenhuma quis parecer impressionada.
Mas… o silêncio naquele fim de tarde teve gosto de coisa que ainda ia fazer sentido algum dia.
Fim do Capítulo 7