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Capítulo 6Só pra te lembrar

Só pra te lembrar

A luz da manhã entrava pela cortina como se pedisse licença.

Nicole estava sentada no sofá, com uma caneca quente nas mãos e o celular apoiado no joelho.

Vestia o pijama antigo — aquele que o Nick disse uma vez que parecia “roupa de comercial de chá”, mas que ela insistia em usar nos fins de semana.

A sala tinha cheiro de sabão em pó e bolacha de água e sal.

No chão, as meias da Ayaka. No canto do sofá, a blusa da Violet.

A mesa de centro estava um pouco torta desde a última vez que alguém encostou nela com força demais — provavelmente Yuna.

O celular vibrou com um som abafado.

[Nick – 08:12 AM]

“Acordou antes da casa de novo? Tá apostando com o sol quem levanta primeiro?”

Nicole riu, tomando um gole do chá.

[Nicole – digitando...]

“Você tá com saudade da minha voz ou do meu café?”

A resposta veio segundos depois.

“Saudade do seu cabelo bagunçado de manhã. E do café... em segundo lugar.”

Ela apertou a xícara com mais força, mas continuou rindo em silêncio.

[Nick – 08:14 AM]

“Elas estão bem?”

Nicole olhou para o andar de cima.

Ouviu passos, talvez de Ayaka.

[Nicole – 08:15 AM]

“Elas sentem sua falta, mesmo fingindo que não. Tá tudo bem, como sempre.”

[Nick – 08:15 AM]

“Só queria lembrar que eu amo vocês. Mas você mais.”

Nicole encostou a testa no celular por alguns segundos.

[Nicole – 08:16 AM]

“Você devia estar dormindo.”

[Nick – 08:16 AM]

“Tô num quarto de hotel minúsculo. A cama me expulsa quando você não tá nela.”

Ela mordeu o lábio pra conter o sorriso.

[Nicole – 08:17 AM]

“Vai tomar um banho gelado e parar de ser bobo. As meninas tão acordando.”

[Nick – 08:17 AM]

“Já tomei. Mas ainda tô pensando em você.”

Nicole soltou um suspiro — metade riso, metade saudade.

Ela bloqueou a tela do celular e levantou.

Ayaka estava na cozinha, já mexendo em uma caixinha de cereais.

— “Quer leite?” perguntou, sem virar.

— “Já peguei,” respondeu Nicole. “Tá em qual página hoje?”

— “Página de tentar falar com a Violet sem que ela fuja.”

Nicole sorriu e abriu a geladeira.

— “Tenta a técnica do ‘quer um chá?’ Geralmente funciona com adultos de alma complicada.”

Ayaka riu.

— “Será que ela me ignora por charme ou por reflexo?”

— “As duas coisas.”

No andar de cima, Violet estava sentada na janela do corredor, com os pés sobre o tapete e a cabeça encostada na parede.

O sol batia no rosto dela em faixas diagonais.

Ayaka apareceu com duas xícaras na mão.

— “Chá?” ofereceu.

— “Com veneno?” Violet ergueu uma sobrancelha.

— “Com camomila.”

— “Pior.”

Ayaka se sentou ao lado mesmo assim, deixando uma das xícaras perto dela.

— “A casa parece maior quando ele não tá, né?”

— “Mais vazia, você quer dizer.”

— “As duas coisas.”

Violet pegou a xícara, cheirou o chá e bebeu sem dizer nada.

— “Eu gosto de como tudo aqui é... usado,” disse Ayaka. “Tipo, nenhum móvel parece novo.”

— “A gente não precisa de novo.”

Ayaka olhou ao redor.

— “O sofá tem um rasgo. A parede perto da escada tem um risco. O chão do banheiro ainda range.”

— “Mas o escritório tem um PC de nave espacial. E o ateliê é mais limpo que hospital.”

Violet tomou outro gole.

— “É estranho, né?”

— “Nem tanto. Só... exclusivo.”

A casa era, de fato, simples.

Paredes de cor neutra. Móveis de madeira que pareciam ter história. Cortinas leves. Um tapete meio torto na sala.

Mas cada canto tinha algo que destoava.

Um quadro raro. Um console importado. Um livro autografado por alguém que parecia importante.

E ninguém falava sobre isso.

Era como se tudo estivesse ali só por estar — como se tivesse sido colocado pelo tempo, não por alguém com dinheiro ou prestígio.

Yuna apareceu descendo as escadas, bocejando exageradamente, enrolada num cobertor.

— “Parece uma reunião de drama adolescente,” disse, se jogando no sofá.

— “A gente só tava conversando,” respondeu Ayaka.

— “Sobre o Nick? De novo?”

Ela mordeu uma bolacha e falou com a boca cheia. “Esse homem é um enigma até dormindo. Vocês sabiam que ele uma vez dormiu de olho aberto? Quase morri.”

Violet riu. Ayaka arregalou os olhos.

— “Mentira.”

— “Juro. E depois disse que era pra ‘descansar sem desligar’.”

— “Parece ele,” disse Violet.

Yuna olhou pra ela com um sorriso.

— “Você entende ele melhor que parece.”

Violet deu de ombros.

— “Não preciso entender tudo. Só... me importo.”

Yuna suspirou, deitando-se com os braços atrás da cabeça.

— “Vocês puxaram ele mais do que imaginam. Até nos silêncios.”

Nicole, da cozinha, escutava tudo em silêncio.

Ela olhou o celular mais uma vez. Nenhuma mensagem nova.

Mas o chá ainda tava quente.

E isso já bastava por agora.

Fim do Capítulo 6