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Capítulo 5Onde o silêncio respira

Onde o silêncio respira

A casa parecia mais vazia à tarde.

Nicole estava na cozinha, lavando frutas com calma, enquanto Ayaka sentava no banco da bancada com o caderno de anotações aberto — mas não escrevia.

A chuva tinha ido embora, mas o cheiro dela ainda estava no ar.

— “Você já se acostumou com ele viajando?”

A voz de Ayaka quebrou o silêncio com suavidade.

Nicole olhou pra ela, mas não respondeu de imediato.

— “A gente nunca se acostuma,” respondeu, enxugando as mãos. “A gente só aprende a não se incomodar tanto.”

Ayaka fez um pequeno desenho no canto da folha com a caneta.

Um par de olhos fechados.

— “Ele já viajou por mais tempo que isso?”

— “Já.”

— “Você ficou brava?”

Nicole sorriu de canto.

— “Fiquei em silêncio. O que, vindo de mim, é bem mais perigoso.”

Ayaka riu, e Nicole se aproximou, penteando devagar o cabelo da filha com os dedos.

— “Você se importa muito com ele, né?”

— “Me preocupo,” disse Ayaka. “Mas não sei com o quê.”

Nicole assentiu devagar.

— “É... eu entendo.”

No andar de cima, Violet andava pelo corredor com um copo de chá na mão.

Tinha dito que ia ver um episódio novo, mas seus passos a levaram pra outro canto.

A porta do ateliê estava entreaberta.

Não era trancada. Nunca foi.

Mas era aquele tipo de lugar que todo mundo respeitava sem precisar ser lembrado.

Violet empurrou devagar.

Luz natural invadia o ambiente em feixes suaves, e um cheiro de tinta acrílica misturado com madeira velha preenchia o espaço.

O chão era de tábuas rústicas.

As paredes, forradas com quadros — alguns finalizados, outros apenas esboços presos com fita.

Não eram obras do Nick. Isso ela sabia.

Eram de outros artistas. Quadros assinados, pequenas obras originais, estudos de cor, composições.

Violet não reconhecia todos, mas sentia que eram importantes pra ele.

Havia também uma estante com livros grossos de arte, rolos de tela enrolados num canto, pincéis velhos guardados em potes de vidro e uma prancheta de desenho quase apagada.

E ao centro, uma cadeira — larga, confortável, virada pra janela.

Violet se sentou no chão. Ficou ali, quieta, por longos minutos.

Foi quando ouviu a voz de Yuna atrás dela.

— “Você invadiu o templo secreto,” disse, teatral. “Se ele souber, vai te desafiar pra um duelo de tinta e vergonha.”

Violet não se virou.

— “Acho que ele deixaria eu ganhar.”

Yuna se sentou ao lado dela, pernas cruzadas, uma maçã mordida na mão.

— “Ele deixaria, sim. Mas fingiria que não. Tem orgulho demais pra admitir.”

As duas ficaram olhando os quadros por um tempo.

— “Essas pinturas são... estranhas,” disse Violet. “Ele não pintou nenhuma?”

— “Não,” respondeu Yuna, casual. “Essas são de gente muito, muito famosa. Tipo, artista de galeria com fila de espera. Ou... artista que ninguém conhece, mas que ele ama como se fossem lendas.”

— “Por quê?”

Yuna deu de ombros.

— “Acho que é o jeito dele de esvaziar a cabeça. Tem gente que medita. Ele coleciona silêncio com cor.”

Violet ficou em silêncio.

— “Você gosta disso tudo?” perguntou Yuna.

— “Gosto do silêncio aqui.”

— “Mas não do que representa?”

Violet demorou.

— “Eu gosto de entender as coisas. Só não sei por onde começar.”

Yuna olhou pra ela com um ar mais suave.

— “Você e sua irmã são bem diferentes.”

— “Ela sente demais. Eu penso demais.”

— “E você se importa mais do que mostra.”

— “Talvez...”

— “Eu vejo,” disse Yuna. “Você se importa com tudo. Até com o que você finge que não.”

Violet virou o rosto pra ela, com um sorriso leve.

— “E você? Se importa com tudo também?”

Yuna olhou em volta.

Depois, mordeu mais um pedaço da maçã.

— “Já me importei com mais do que devia. Agora eu só observo. E rio um pouco.”

Violet apoiou o queixo no joelho.

— “Papai é estranho.”

— “É. Mas não no jeito ruim. No jeito... contido.”

— “Tipo um artista de galeria com fila de espera?”

Yuna gargalhou.

— “Exatamente.”

As duas ficaram ali, em silêncio, sentadas no chão do ateliê, cercadas de quadros que não diziam nada diretamente, mas falavam tudo de forma indireta.

E lá embaixo, na cozinha, Nicole passava os dedos pelas costas de Ayaka num gesto automático de carinho, enquanto ela tentava escrever uma frase bonita no diário sem saber ainda como terminar.

Fim do Capítulo 5