Capítulo 26 — O que não dá pra desenhar ainda
O que não dá pra desenhar ainda
A volta pra casa japonesa foi silenciosa.
O RX-8 cortava as ruas de Tóquio com suavidade, mas as curvas pareciam mais lentas que o normal.
Nicole dirigia sem pressa, o rádio em volume baixo, tocando uma música instrumental doce demais pra hora.
Violet encostava a cabeça no vidro da janela.
Ayaka girava o chaveiro novo entre os dedos — uma miniatura da 2B com expressão melancólica.
Ninguém dizia nada.
Mas ninguém precisava.
—
Quando entraram em casa, o cheiro de madeira antiga e chá frio invadiu os sentidos.
Nicole tirou os sapatos, como sempre, e foi direto pra cozinha.
— “Vou fazer arroz e omelete. Vocês querem?”
— “Uhum,” murmurou Ayaka.
— “Eu… vou subir um pouco,” disse Violet, sumindo no corredor.
—
Quarto japonês — andares de cima.
Violet sentou no tatami do quarto compartilhado e ficou olhando pro armário.
Ayaka entrou logo depois.
Fechou a porta com mais força que o necessário.
— “A gente precisa conversar,” disse ela, sentando de frente pra irmã.
— “Sobre o quê?”
— “Você sabe.”
Silêncio.
Ayaka suspirou, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— “Você acha que ele mentiu?”
— “Não.”
— “Mas também não contou.”
— “É.”
Violet mordeu o lábio.
— “Eu não quero ficar brava com ele.”
— “Eu também não.”
— “Mas… ele tava lá. No palco. No centro de tudo.”
Ayaka se levantou.
Começou a andar em círculos.
— “E todo mundo sabia. TODO MUNDO. O Murata, a Kana Fujiwara, aquela mulher do cabelo branco que quase chorou quando viu a gente!”
— “E ele só sorri. Só diz ‘eu ajudei um pouco’.”
— “A mãe também. Ela só traduz. Só diz que é ‘educação japonesa’. Mas é mentira. Tá todo mundo escondendo alguma coisa.”
Violet olhou pra irmã.
— “Você tá com raiva?”
Ayaka parou.
— “Eu tô com medo.”
Silêncio de novo.
— “E você?”
Violet olhou pro chão.
— “Eu tô me sentindo… burra.”
Ayaka se aproximou e se jogou no chão ao lado dela.
— “A gente passou a manteiga pro Murata.”
— “A gente dividiu arroz com um dos criadores de One Punch Man.”
— “E a gente achou que ele era só… um cara simpático.”
As duas riram.
Baixinho.
Meio tristes.
E ali, deitadas no tatami, sem saber se era noite ou madrugada…
Elas começaram a aceitar uma coisa nova:
O pai delas era mais do que sabiam.
E talvez… sempre tivesse sido.
—
Pouco depois, ainda no quarto, Nicole bateu suavemente na porta.
— “Tem algo que talvez vocês queiram ver.”
Ela entrou com um caderno preto encapado com tecido japonês.
Colocou no chão entre as duas.
— “Ele deixou na mesa. E colocou um bilhete.”
Nicole entregou.
"*Talvez vocês reconheçam algumas coisas.
Mas espero que não reconheçam tudo.
— Nick.*"
As duas abriram o caderno com cuidado.
Páginas e páginas de estudos de personagens.
Alguns que elas amavam.
Outros que pareciam rascunhos nunca usados.
Traços familiares.
Expressões idênticas às que elas viam no espelho.
— “Essa menina parece a Ayaka,” sussurrou Violet.
— “Essa aqui… é você. Olha o jeito de segurar o lápis.”
Em uma das páginas finais:
um desenho das duas pequenas, em estilo chibi, dormindo no colo da Nicole.
Nick sentado ao fundo, sorrindo e olhando.
No canto inferior:
“Minhas duas linhas favoritas.”
Ayaka ficou em silêncio.
Violet fechou o caderno com calma.
— “Ele não precisa contar tudo.”
— “Não agora,” disse Ayaka.
— “Mas a gente vai descobrir. Com o tempo.”
Nicole ficou na porta, observando em silêncio.
E quando as meninas se abraçaram ali no chão, ela só disse:
— “O arroz tá pronto.”
—
Fim do Capítulo 26